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O RELATIVISMO DAS COISAS
Alfredo Bernardo Serra
O poeta Sebastião da Gama escreveu: “ Aqueles que fazem da sua roupa a parte principal de si mesmo, normalmente não têm mais valor do que ela.»
Rebuscamos este pensamento em associação ao conceito do relativismo definido, lato sensu, como «característica do que não é tomado em sentido absoluto, do que depende de outra coisa.» Mas no contexto da reflexão a que nos propomos, importa considerar o relativismo à luz da filosofia, designadamente no paradigma Kantiano segundo o qual o espírito apreende apenas o que se encontra no plano dos fenómenos; logo, atemo-nos ao conceito de relativismo enquanto «doutrina que afirma a impossibilidade de se conhecer a verdade absoluta; conjunto de princípios que considera que os valores morais, estéticos… são variáveis, dependendo de circunstâncias de vária ordem.»
Nesta linha de pensamento, centramo-nos na negação do relativismo moral: «doutrina filosófica que defende que os valores do bem e do mal não são fixos, variam de acordo com os tempos e as sociedades, sem que haja um progresso nessas variações.» e na perspectiva do relativismo objectivo, segundo o qual a realidade é tão só um sistema de relações. Neste quadro de relações de nível interpessoal e no global da sociedade, é a conduta de cada pessoa determinada pelos seus valores, os quais são definidos pela Sociologia como «a expressão de princípios gerais, de orientações fundamentais e primeiramente de preferências e crenças colectivas.»
Na sociedade constituída por homens e mulheres, emergem com certeza os valores aportados por uns e outros. Nos tempos que vivemos, constatamos relevantes e preocupantes mudanças no quadro de valores sociais, morais e estéticos, ganhando terreno o relativismo. Com frequência ouvimos dizer: isso é relativo, depende, era assim mas agora não, os tempos são outros, é tudo diferente.
É relativo o modo de ser e de estar na vida e na sociedade, isto é, tem-se a atitude e o comportamento ajustado ao lugar e ao tempo, o que mais importa é estar e ir na onda; relativiza-se o interesse colectivo em favor do objectivo individual; relativiza-se o valor da vida no aborto livre e sua legalização, relativiza-se a velhice na desvalorização do papel dos avós, relegando-os para um ambiente de depósito. É relativo o Amor que levou ao casamento, sucumbindo a relação à primeira contrariedade e ao egoísmo. Relativiza-se o valor dos sacramentos do baptismo e do matrimónio, atos litúrgicos pedidos à Igreja por tradição, porque é uma cerimónia bonita em fotografia e filme, porque sim, fica bem aos olhos da sociedade local, da família e para os amigos convidados. Relativiza-se a condição humana no género, valorando-se a homossexualidade como fenómeno quase-padrão. Relativiza-se o modelo de família quando se permite a adopção de criança por dois homens ou duas mulheres que vivem em relação homossexual. Relativiza-se assim a importância da figura do pai e da mãe, com todos os malefícios que tal causa na formação da personalidade e do carácter daquela criança.
Enfim, relativiza-se a vida e tudo o que dela faz parte, porque o importante é o bem-estar individual e ser bem visto aos olhos do outro. Relativiza-se o significado da moral, o valor do mal e do bem.
A inversão desta cultura do relativismo exige acção persistente e determinada nos diversos campos sociais: na escola, junto das famílias, nos grupos de jovens, na comunicação social, para que se retomem os valores humanistas, no valor da criação, na defesa da vida, pela norma social ajustada à própria vida e organização social natural, no respeito e consideração da natureza humana, na base da pessoa dotada de razão e de espírito. Pessoa que é preciso educar porque «o homem não é mais do que o produto da sua educação.» (Helvetins,1772) e «a educação visa o melhoramento geral da sociedade, que deve levar à paz universal.» (Comènius, 1592-1670).
É urgente combater a cultura do relativismo das coisas, é preciso combater causas que são tão contra-natura quanto contrárias à realização do ser humano, ao próprio Bem.
Proença-a-Nova, 20 de Março de
É frequente ouvir-se tanto o auto-elogio quanto a crítica ao que foi feito ou dito por esta ou por aquela pessoa. Pena é que a frequência da crítica maldizente e destrutiva aconteça muito mais do que a crítica de aplauso e louvor à palavra bem dita, à acção meritória ou à obra feita bem.
Vem ao caso o que a realidade demonstra nos diversos palcos da vida, desde o mundo da política às páginas da imprensa, às fofocas e programas de má-língua televisiva, com destaque hoje para o que se escreve nos twitter, facebook e blogs de toda a estirpe e mancha.
Em O Recanto das Letras, 2005, Sandra Nasrallah diz-nos a propósito de “Os cães ladram e a caravana passa” que é «Um sábio ditado árabe, (…), diz que não importa o latido dos cães, não importa o barulho que façam, a caravana segue o seu caminho, apesar deles… existe uma estrela a ser seguida, um pensamento a ser preservado, e nada vai impedir que a caravana siga o seu rumo…mesmo que pare por alguns momentos, mesmo que alguns cães se julguem alimentados pegando os restos que caíram durante a passagem, a caravana segue o seu rumo, mais fortalecida, mais coesa, deixando cada vez mais longe o barulho dos cães esfomeados. Uma caravana é feita de gestos, de sonhos, de atitudes, de longas vivências, de cumplicidades, de sentimentos fortes, de amizade, de amor e de desejos. Ela segue o seu caminho, totalmente indiferente ao ganido de cães enlouquecidos, atrás de alguma cadela no cio…»
Às palavras de Boa-Nova de Jesus de Nazaré e perante tamanha sabedoria, os galileus farisaicos e hipócritas, julgados de per si donos da terra, do poder e da verdade, responderam com desconfiança, impropérios e atitudes tais que levaram o ‘filho’ do carpinteiro de Nazaré a dizer: “um profeta só é desprezado na sua pátria e em sua casa.” (S. Mateus,13,57)
Se coisas malditas há neste mundo são elas a inveja, a cobiça e a vanglória, tantas vezes resultado apenas duma absoluta falta de alicerces e de pilares personalizadores da criatura mas sobretudo sendo expressão duma lodosa moral ou da ausência dela, a moral assente nos bons valores da sociedade justa, equitativa e de bons costumes nas relações interpessoais estabelecidas no respeito das diferenças e nos valores da justiça, da gratidão, do mérito, da paz, da concórdia e da harmonia sociais.
Bonito de ver é o sentimento de humildade, o gosto de aprender, a nobreza de não subir o chinelo ao nível da polaina nem o sapateiro ousar tocar rabecão sem antes ter conhecido o instrumento e ou aprendido a arte. Cito, a propósito, o distinto e agraciado pensador maior da cultura portuguesa, o beirão Eduardo Lourenço: «somos um povo de pobres com mentalidade de ricos» (O Labirinto da Saudade, 1988, pp.127); e retomando o plano da comunicação social no que tem de pior pela mediocridade na má-língua e escrita de má qualidade, tanto nos jornais como na internet, recorro também a Eduardo Lourenço: «Em princípio, todo o português que sabe ler e escrever se acha apto para tudo, e o que é mais espantoso é que ninguém se espante com isso.»(id., pp132)
Proença-a-Nova, 7 de Abril de 2013